sábado, 31 de janeiro de 2009

Noites estreladas...


Nuit étoillée, Van Gogh, 1889

Um livro descoberto numa biblioteca no norte da Europa, um sotão acolhedor, muitos sonhos e tantas saudades de ti...

For my part I know nothing with any certainty, but the sight of stars makes me dream.
Van Gogh

Os amores existem para acabar cedo. O teu toque é veludo, mas as lembranças são lâminas.
In: Ode a Otília por J. M.

Continuo à espera...

Amo-te...será que sim? Pode o amor existir sem o seu objecto? Não sei realmente se te amo, mas sei que te amei muito. E se te visse? O amor que sinto agora parece abstracto, embate nessa parede e volta para trás, para o ninho de recordações, objectos, música, livros, odores... não o sinto na carne como antigamente. É como o som que não se pode propagar no vácuo por falta de matéria, que precisa de fazer vibrar partículas para existir. O presente é este vácuo. Pergunto-me se sinto realmente algum amor agora, neste exacto momento...ou se é a poderosa e prodigiosa memória a fazer as vezes dos sentidos?... A memória é pouco imune ao tempo... Quero acreditar que ainda te amo, com os sentidos. Fecho os olhos, impregno-me com força, mas nada. Nada se propaga. Nenhum arrepio na pele, nenhuma arritmia, nenhuma quebra da respiração...Só resta este vazio. Um vazio assim dentro de uma pessoa é a coisa mais triste que pode haver.

Continuo à espera que venhas...

Lunário

Estou sozinho, ardo na memória das noites em que não te conhecia. E não sei se suportarei o peso do teu rosto ausente sobre o peito, tatuado; e talvez recorde a tua respiração enforcando-me, noite após noite, enquanto durmo. Tua mão escavou o desejo entorpecido nestas débeis veias, e já não sei se sonhamos o mesmo sonho, ou se nos levantamos ao mesmo tempo para o amor, mas ainda te amo.

Aliso tuas pálpebras durante as noites de vigia e sei que uma vida anterior à minha presença as feriu. No entanto, sinto que ainda és capaz de me olhar como se eu contemplasse o mar. De resto, os dias acumulam-se uns sobre os outros, iguais, sob o negro esplendor do sol. E latejamos, além, onde nos perderemos para sempre.

As tuas mãos vestiram as minhas, e fizeram-nas voar de sedução em sedução. Mas, dentro das fotografias, erguem-se pirâmides de cintilantes ossos, pequenas nódoas de memórias, feixes de veias quebradas pelas chuvas...não, não é o solitário canto do noitibó que nos surpreende, nítido, persistente, mas sim o grito que há-de crescer do fundo de nós. E, com o tempo, as mãos, as tuas, cairão também no esquecimento...e delas apenas permanecerá uma sensação de ardor sobre a minha pele.

Na busca reacendo uma navalha de lume para sufocar a solidão e as palavras que já nada podem revelar, nem ajudar.

Mas se um dia voltares, acorda-me, como inesperadamente me acordaste uma noite. Não me deixes dormir mais, desperta-me e tudo se iluminará num gesto, num sorriso teu.

(...)

Regressa. Regressa ao escorrer dos dedos enrolados no sexo, ao riso matinal dos corpos saciados, às nocturnas conversas das esplanadas, aos jogos de sedução, aos engates, ao murmúrio das vozes nos becos da cidade, à ofegante trepidação da manhã, regressa. Porque as palavras não te substituem e estão cheias de pústulas no coração das sílabas.
Regressa e oferece-te à preguiça triste de quem continua aqui, vivo, sorvendo a espiral da sua própria ausência.
Regressa, peço-te, mesmo antes de partires. Regressa à voracidade do desejo, e à incendiada paixão dos nocturnos tigres...


Acordo para ti, como sempre acordei, cada manhã menos rico e mais esquecido de mim.

Lunário,  Al Berto

Metrópolis

http://www.dvdtimes.co.uk/

Metrópolis, Fritz Lang, 1930

O mediador entre as mãos e o cérebro deve ser o coração.
Ama como a estrada começa.

Mário Cesariny